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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Estrasburgo: A praga da dança de 1518

Em julho de 1518, um curioso fenômeno conhecido como dançomania tomou conta de centenas de pessoas na cidade de Estrasburgo (França). Tudo começou quando, aparentemente sem motivos, uma mulher chamada Frau Toffea saiu de casa e começou a dançar freneticamente pelas ruas da cidade. Ela permaneceu dançando sem parar por cinco ou seis dias até cair morta por exaustão; mas a essa altura outras trinta e quatro pessoas já haviam se juntado a ela naquela bizarra dança, e cada vez mais pessoas foram sendo contagiadas. Depois de um mês, o número de dançarinos pelas ruas de Estrasburgo (um importante centro comercial da época), já eram mais de quatrocentas pessoas.

Uma quantidade considerável de documentos históricos, crônicas locais, sermões, observações médicas e notas do conselho municipal, não apenas comprovam este fato, mas afirmam que essas pessoas estavam mesmo interpretando passos de dança e não apenas se contorcendo aleatoriamente.

Como o número de infectados chegou a centenas, as autoridades e nobres começaram a ficar preocupadas. Após as causas sobrenaturais (que eram levadas muito a sério) terem sido descartadas, médicos e especialistas também foram consultados, mas não deram nenhuma resposta satisfatória: Afirmaram que o problema era natural e a causa seria “sangue quente”, a medicina da época acreditava que o aquecimento do sangue no cérebro poderia levar a loucura.

A solução encontrada foi desastrosa: Deixar que as vítimas dançassem e dançassem sem parar até o desejo pela dança se esgotar por conta própria e o afligido recuperar os movimentos do corpo. Para isso a prefeitura abriu dois salões na cidade, colocou um palco de madeira no local do evento e, acreditem, contratou músicos e dançarinos profissionais para acompanharem os doentes em seu frenesi. Obviamente a estratégia falhou e após quase dois meses a maioria das pessoas contagiadas acabou morrendo em consequência de derrames, ataques cardíacos e exaustão devido ao calor. Outros desmaiaram nas ruas ou se arrastaram esgotados até suas casas. Depois deste desastre, muitos associaram o problema a uma suposta praga enviada por um religioso conhecido como São Vito. Apesar das muitas teorias, até hoje não se sabe ao certo o motivo para tanta gente ter literalmente dançado até a morte.


Dançomania: Outros casos e teorias

O fenômeno ocorrido em Estrasburgo ficou conhecido como “a praga da dança de 1518” e apesar de bastante incomum, não foi o único registrado na história. Pelo menos sete casos de dançomania aconteceram na Europa entre os séculos XIV e XVIII. Um dos casos mais antigos aconteceu em Aquisgrano, Alemanha, em 24 de junho de 1374, quando dezenas de pessoas saíram às ruas dançando freneticamente, gritando e tendo alucinações; mesmo depois de caírem exaustas no chão, continuavam a se contorcer e ocasionalmente espumavam pela boca.

Partindo do princípio de que estes incidentes são reais e muito bem documentados, a grande questão que intriga historiadores e médicos é só uma:
O que desencadeia as dançomanias?

Várias são as teorias, uma das mais divulgadas é a de que o surto coletivo teria causa na ingestão de uma espécie de fungo (Ergot fungi) que cresce nos talos úmidos de alguns cereais como o centeio. No entanto, essa teoria, criada por Eugene Barackman, é contestável pois a intoxicação pelo fungo poderia causar alucinações e convulsões, mas não os movimentos coordenados de uma dança. A peste negra, que devastou o continente na idade média, também foi descartada porque as datas não fecham. O sociólogo Robert Bartholomew propôs a teoria de que o povo estava na verdade cumprindo o ritual de uma seita herética, mas há evidências de que os dançarinos não queriam dançar (expressavam medo e desespero, segundo os relatos antigos).

Outra tese bastante aceita é a de que foi uma histeria coletiva desencadeada por diversos fatores. Tempos de fome extrema, pragas e a opressão dos mais poderosos, teriam causado um stress emocional muito grande em parte da população mais pobre, afetada pelas mazelas sociais. O historiador John Waller, autor do livro “A Time to Dance, A Time to Die: The Extraordinary Story of the Dancing Plague of 1518”, que trata do assunto, afirma que ocorreram momentos de grande penúria em 1492, 1502 e 1511; invernos rigorosos, verões abrasadores, granizo e tempestades de neve acabaram com as plantações e a fome se alastrou. Além disso, os donos de terra aumentavam os impostos e decretavam diversas proibições à população - como pescar e caçar em suas propriedades, o que poderia apaziguar um pouco a fome.

A pressão física e mental tornou as pessoas mais condicionadas; quando elas viram pessoas "amaldiçoadas" por São Vito, acreditaram que elas também estavam amaldiçoadas e se uniram de forma inconscientemente, conta Waller. Nesse caso, o stress psicológico só se manifestou através da dança porque a sociedade da época acreditava em muitas ideias místicas e as crenças supersticiosas de que São Vito poderia lhes enviar esta praga tornou isso realmente possível. É uma ideia bem elaborada e bem interessante. Contudo, prefiro ficar com a hipótese de que eles ingeriram algum tipo de droga sem conhecer, já que o mofo mencionado anteriormente tem tartarato de ergotamina que é um componente do LSD (droga conhecida por causar efeitos psicodélicos).

Também pode ser que o historiador John Waller tenha razão... Quando fazia essa pesquisa, achei que os casos de dançomania tem certa semelhança com as atividades praticadas pelos profetas extáticos do antigo Israel, estes lançavam mão do recurso da música para entrar em um êxtase coletivo que costumava ser contagioso e também podia durar vários dias. Nunca saberemos o que de fato aconteceu naquele verão de 1518 em Estrasburgo, mas não tenho a menor dúvida de que esse tipo de coisa pode ainda acontecer em nossos dias, se é que já não acontece!


Para saber mais:


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